Com a Neuralink prestes a começar testes em humanos, acadêmicos que pesquisam o tema alertam para casos já conhecidos de pessoas que perderam noções de autonomia e identidade
Depois de anos de testes em animais, a Neuralink enfim declarou estar pronta para recrutar voluntários para os primeiros experimentos com implantes cerebrais em humanos. Do tamanho de uma moeda, os chips prometem ajudar pessoas com limitações físicas – tais como paralisia nos membros –, a executarem tarefas como utilizar um computador, tudo a partir dos pensamentos.
Nesse avanço digno de ficção científica, a empresa de Elon Musk espera não só ajudar pessoas em necessidade, mas tornar os chips da Neuralink populares. O bilionário já falou que imagina o futuro dos chips como algo semelhante a "colocar um Fitbit no seu crânio" – fazendo referência aos relógios inteligentes que monitoram o condicionamento físico do usuário.
Tudo parece interessante, sobretudo se ajudar pessoas com problemas físicos graves a superar dificuldades. Mas e os possíveis efeitos adversos de um procedimento tão invasivo? Essa questão vem sendo colocada por pesquisadores que estudam o tema, e foram ouvidos pelo Business Insider.
A pesquisa descobriu que os chips cerebrais podem distorcer o seu senso de identidade | Foto: Arif Qazi/Insider |
"Está claro que o implante causa mudanças. A questão é que tipos de mudanças ele causa, e até que ponto essas mudanças importam?", diz Anna Wexler, professora assistente de filosofia no Departamento de Ética Médica e Política de Saúde da Universidade da Pensilvânia.
Além da Neuralink, outras empresas e especialistas têm estudado o uso de implantes cerebrais para restaurar sentidos perdidos e controlar próteses, entre outras aplicações. Na verdade, já existem mais de 200 mil pessoas em todo o mundo que já usam algum tipo de implante, principalmente por motivos médicos. Casos mais comuns são os implantes cocleares, que permitem que pessoas surdas, de certa forma, ouçam; e outro uso que vem crescendo é o de dispositivos que monitoram sinais cerebrais e alertam sobre possíveis crises epilépticas.
Efeitos positivos e negativos
Mudanças positivas já foram notadas, inclusive para além dos efeitos físicos pretendidos pelos implantes. Wexler entrevistou pessoas com Parkinson que estavam sendo submetidas à estimulação cerebral profunda, um tratamento cirúrgico que envolve a implantação de finos fios de metal que enviam pulsos elétricos ao cérebro para ajudar a diminuir os sintomas motores. Ela descobriu que muitos haviam perdido a capacidade motora e seu senso de identidade antes de se submeter ao tratamento.
"Muitos sentiram que a doença lhes havia roubado, de certa forma, quem eles eram", disse ela. "Isso realmente afeta sua identidade, seu senso de identidade, se você não consegue fazer as coisas que pensa ser capaz de fazer". Nestes casos, os implantes ajudaram as pessoas a sentirem que estavam voltando a ser elas mesmas, ao mesmo tempo em que tratavam sua doença.
Mas nem todas as mudanças encontradas pelos pesquisadores são benéficas. Em entrevistas com pessoas com implantes instalados, Frederic Gilbert, professor de filosofia da Universidade da Tasmânia especializado em neuroética aplicada, notou alguns efeitos estranhos. "As noções de personalidade, identidade, agência, autenticidade, autonomia e eu – são dimensões muito compactas, obscuras e opacas", disse Gilbert. "Ninguém realmente concorda com o que significam, mas temos casos em que está claro que os implantes induziram mudanças na personalidade ou na expressão da sexualidade."
Em vários estudos de entrevistas, Gilbert notou que os pacientes relatam sentimentos de não se reconhecerem, ou o que é normalmente chamado de "alienação" na pesquisa. "Eles sabem que são eles mesmos, mas não é como era antes da implantação", disse ele. Alguns expressaram sentimentos de terem novas capacidades não relacionadas aos seus implantes, como uma mulher de quase 50 anos que se machucou ao tentar levantar uma mesa de sinuca que pensava poder mover sozinha. "Isso levou a casos extremos em que houve tentativa de suicídio", disse Gilbert.
Perda de autonomia
Para as pessoas que utilizam implantes para ajudar com uma limitação médica significativa, faz sentido que o tratamento tenha um efeito psicológico positivo, de acordo com os investigadores. Mas quando se trata de considerar chips cerebrais para uso popular, há muito mais preocupação com as desvantagens – e inclusive na dependência extrema dos implantes.
Gilbert contou sobre um paciente que desenvolveu uma espécie de paralisia de decisão, sentindo-se como se não conseguisse sair ou decidir o que comer sem primeiro consultar o aparelho que mostrava o que estava acontecendo em seu cérebro. "Não há nada de errado em ter um dispositivo que completa uma decisão", disse Gilbert, "mas no final, o dispositivo estava suplantando a pessoa na decisão, expulsando-a do circuito".
Às vezes, um paciente pode confiar tanto em seu dispositivo que sente que não consegue funcionar sem ele. Gilbert encontrou muitos participantes do estudo que caíram em depressão ao perder o suporte para seus dispositivos e removê-los, muitas vezes simplesmente porque um determinado teste expirou ou ficou sem financiamento.
Como os implantes ainda estão principalmente restritos à área médica, a maioria dos que os experimentam acabam aceitando os riscos, já que podem ter benefícios muito maiores. "Se alguém tem uma deficiência que o impede de se comunicar", disse Wexler, "geralmente fica muito feliz se houver uma tecnologia que lhe permita fazê-lo". Mas, segundo ele, vale pensar duas, ou muito mais vezes, sobre o objetivo de ter um computador em seu cérebro se não for o caso de uma necessidade extrema.
Como os implantes ainda estão principalmente restritos à área médica, a maioria dos que os experimentam acabam aceitando os riscos, já que podem ter benefícios muito maiores. "Se alguém tem uma deficiência que o impede de se comunicar", disse Wexler, "geralmente fica muito feliz se houver uma tecnologia que lhe permita fazê-lo". Mas, segundo ele, vale pensar duas, ou muito mais vezes, sobre o objetivo de ter um computador em seu cérebro se não for o caso de uma necessidade extrema.
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