Mediador e protetor do Hamas: Catar é protagonista contraditório na guerra

O emir do Catar, sheik Tamim bin Hamad Al-Thani, ao lado do presidente da Fifa, Gianni Infantino, durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo de futebol realizada no país, há um ano | Foto: EFE/Rodrigo Jiménez

O pequeno país faz jogo duplo: embora acene para Israel e o Ocidente (abriga a maior base militar dos Estados Unidos na região), também oferece apoio a grupos terroristas


Pequeno país do Golfo Pérsico, o Catar se tornou um dos protagonistas da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas pela sua intermediação para a libertação de reféns e entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.

O ápice dessa atuação ocorre no momento, com a trégua temporária no conflito e a troca de reféns israelenses por presos palestinos encarcerados em Israel.

"Agradeço ao sheik Tamim bin Hamad Al-Thani, [emir d]o Catar, e ao presidente Abdel-Fattah El-Sisi, do Egito, pela sua liderança e parceria decisivas na concretização deste acordo", declarou o presidente americano, Joe Biden.

O Catar vem sendo um agente cada vez mais importante para negociações entre antagonistas em temas do Oriente Médio – em setembro, já havia intermediado a negociação para a libertação de cinco americanos presos no Irã.

O pequeno país faz jogo duplo: embora acene para Israel e o Ocidente (abriga a maior base militar dos Estados Unidos na região), também oferece apoio a grupos terroristas.

Membros da cúpula do Hamas, como Ismail Haniyeh, presidente do diretório político do grupo, moram no Catar, onde mantêm um escritório político em Doha.

Desde 2014, o Catar enviou centenas de milhões de dólares para Gaza, o que incluiu ajuda para pagar funcionários do governo do Hamas.

Porém, foi justamente esse papel dúbio que fez o Catar manter diálogo com os vários lados na negociação para a libertação dos reféns.

"O Catar tem uma vantagem que os outros candidatos à negociação não têm: abriga a liderança política do Hamas", disse Hasni Abidi, diretor do Centro de Estudos e Pesquisa sobre o Mundo Árabe e o Mediterrâneo, em entrevista à France-Presse.

Esse protagonismo contraditório (e eticamente indefensável) incomoda Israel, o Ocidente e vizinhos. Entre junho de 2017 e o início de 2021, países da Liga Árabe, liderados pela Arábia Saudita, cortaram laços diplomáticos e econômicos com o Catar devido ao seu apoio a grupos terroristas e também questionaram as relações de Doha com o Irã.

No final de outubro, o jornal americano Washington Post informou que o Catar fez um acordo com os Estados Unidos para rever suas relações com o Hamas, o que ocorreria após a libertação de todos os reféns que o grupo terrorista mantém na Faixa de Gaza.

Segundo o Post, tal acordo teria sido estabelecido durante uma viagem a Doha do secretário de Estado americano, Antony Blinken, quando conversou com o emir Al-Thani. Apesar da pressão crescente, muitos especialistas não acreditam que o Catar esteja interessado em se livrar da sua postura ambivalente tão cedo.

"Winston Churchill certa vez descreveu a Rússia como uma charada envolta num mistério dentro de um enigma. O Catar está perto de merecer o mesmo epíteto", afirmou Neville Teller, correspondente no Oriente Médio do jornal Eurasia Review, em artigo publicado esta semana no Jerusalem Post.

"Todos fizeram vista grossa para os seus amigos e alianças questionáveis nos mundos jihadista e terrorista, uma vez que são precisamente estas relações que fazem do Catar um contato tão valioso", argumentou.

Nesta sexta-feira (24), o deputado israelense Danny Danon, do Likud, partido do Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu, fez uma declaração que resume essa relação incômoda. "Não suportamos os catarianos, mas eles trouxeram os resultados", disse, ao comentar a libertação dos primeiros reféns mantidos pelo Hamas.

Publicado originalmente em Gazeta do Povo

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