O possível retorno de Donald Trump à Casa Branca
As eleições primárias nos Estados Unidos acabaram de começar, mas já há meses a grande mídia de grande parte do Ocidente tem concordado em apontar para o que eles veem como a pior ameaça que paira sobre o mundo: o possível retorno de Donald Trump à Casa Branca.
Enviados especiais e solenes editorialistas competem para evocar os cenários catastróficos que se materializariam para a paz, a ordem mundial e a democracia se o envelhecido "magnata" de topete rebelde, após quatro anos de presidência de Joe Biden, conseguir sua vingança, apesar dos processos judiciais pendentes contra ele e das tentativas de invalidar sua candidatura.
Mas como se apresenta, de fato, hoje a situação política internacional? Qual é, nessa situação, a posição atual das democracias ocidentais? O que mudou desde a época do primeiro mandato de Trump? A resposta salta aos olhos todos os dias. O mundo parece estar repleto de conflitos cada vez maiores, que ameaçam aumentar e se expandir. A imagem da famosa "terceira guerra mundial em pedaços" denunciada anos atrás pelo Papa Francisco tornou-se agora uma descrição quase diária do que está acontecendo.
O Ocidente se encontra em dificuldades políticas e econômicas crescentes e enfrenta antagonistas mais fortes e mais numerosos, mais organizados (veja a ampliação dos Brics) e capazes de tirar proveito de suas fraquezas. E, o que é mais importante, esse quadro amadureceu precisamente durante a presidência de Joe Biden e está diretamente relacionado à política externa que ele conduziu. A invasão da Ucrânia pela Rússia foi o resultado de uma longa deterioração de 20 anos nas relações entre o Ocidente e Moscou, resultando em um novo impulso imperialista regional por parte do regime de Putin: uma deterioração que certamente foi influenciada pela atitude, no mínimo, superficial dos governos de Bush Jr. e Obama.
No entanto, não há dúvida de que, durante a presidência de Trump, em uma situação que já estava gravemente comprometida pelos eventos de 2014, a dissuasão dos EUA contra o expansionismo russo funcionou, ao passo que, um ano após Biden assumir o cargo, a situação já havia se precipitado.
Agora, está claro para qualquer pessoa sem vendas ideológicas que não só o governo Biden não conseguiu evitar essa deriva, como também sua resposta não foi bem-sucedida, e hoje a situação é pior do que há dois anos. A Ucrânia certamente não conseguiria vencer uma guerra contra seu embaraçoso e imperial vizinho, e o Ocidente não poderia defendê-la entrando abertamente em guerra contra o que ainda é a segunda maior potência militar e nuclear do mundo.
Havia duas alternativas: buscar imediatamente uma solução diplomática que salvaria, na medida do possível, a segurança e a independência de Kiev e estabeleceria as bases de um sistema de segurança geral no Leste Europeu, ou apoiar militarmente a Ucrânia, com a única perspectiva possível de amortecer sua derrota, ao preço muito alto de uma radicalização do confronto no Velho Continente, da multiplicação de novos pontos de conflito e de repercussões econômicas muito pesadas para os países aliados europeus.
Biden escolheu esse segundo caminho, a OTAN e a UE o seguiram servilmente. A consequência é que, dois anos depois, apesar de todos os esforços e sanções ocidentais contra Putin e da promessa de que isso desencorajaria suas ambições, a ameaça de um "dar de ombros" das tropas de Moscou e de uma derrota ucraniana ruinosa ainda está à espreita; todos os países da OTAN que fazem fronteira com a Rússia, Polônia e os países bálticos em primeiro lugar, temem mais ameaças e provocações, e a OTAN até mesmo imagina possíveis cenários apocalípticos de uma guerra mundial contra a Rússia travada em toda a Europa: como evidenciado pelos exercícios Steadfast Defender 2024 e pelas declarações perturbadoras do chefe do Comitê Militar da OTAN, Rob Bauer, que chegou a afirmar que "os cidadãos devem estar prontos para um conflito que exigiria uma mudança radical em suas vidas" e que "em caso de guerra, será necessário mobilizar um grande número de civis".
Diante dessa perspectiva, parecem ridículos e de má fé os alarmes levantados pela grande mídia ocidental sobre o risco de que Trump, uma vez eleito, possa (horror!) chegar a uma paz com o Kremlin e "abandonar" a Europa para Putin. Mas alguém acredita seriamente que, em uma estrutura de dissuasão nuclear, os russos poderiam lançar uma invasão do continente no estilo de Hitler, resultando em uma guerra convencional? Alguém pode realmente imaginar um Trump desarmando a OTAN, sem levar em conta o destino do continente?
Um cenário semelhante é o do Oriente Médio. Aqui, também, o governo Trump havia alcançado resultados encorajadores de estabilização, com os históricos Acordos de Abraão, aproximando-se de um acordo sistêmico entre Israel e Arábia Saudita que teria sido decisivo, e isolando o Irã, a principal fonte de desestabilização na área. Biden tomou um caminho diametralmente oposto, isolando os sauditas e reabrindo o diálogo com Teerã. E os resultados foram vistos: uma reação em cadeia catastrófica, com o massacre feroz do Hamas contra Israel em 7 de outubro, provavelmente apoiado pelos iranianos, a inevitável reação militar maciça dos israelenses, o reavivamento da frente libanesa do Hezbollah, a ameaça dos hutis do Iêmen às rotas comerciais do Mar Vermelho, o retorno do Isis e o contágio da guerra entre o Irã e o Paquistão.
Mas, realmente, depois dessa deterioração, alguém pode argumentar seriamente que a ameaça à paz no Oriente Médio e à segurança de Israel seria um eventual retorno de Trump à Casa Branca, seria seu "isolacionismo"? De modo mais geral, parece realmente incrível que tantos observadores competentes não vejam — ou finjam, por partidarismo, não ver — como toda a política externa dos EUA e do Ocidente dos últimos anos precisaria ser radicalmente repensada. Como a ambição fantasiosa da administração Biden levou as democracias liberais a um beco sem saída. E como, ao contrário, a possível retomada da política externa realista conduzida por Trump durante seu primeiro mandato poderia representar uma alternativa pelo menos razoável, talvez urgente.
Eugenio Capozzi é professor titular de história contemporânea na Universidade Suor Orsola Benincasa de Nápoles. É codiretor da revista "Ventuesimo Secolo" e redator da revista "Ricerche di Storia politica".
*Com informações da Gazeta do Povo
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