O gabinete presidencial está estudando a oferta econômica que poderia ser feita aos groenlandeses para que aceitassem se tornar parte dos EUA
Desde seu primeiro mandato (2017-2021), o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem manifestado a ideia de anexar a Groenlândia, ilha que é um território autônomo vinculado ao Reino da Dinamarca.
O republicano alega questões de segurança, devido aos avanços da Rússia e da China no Ártico, e também está de olho nos recursos naturais da ilha. Embora não descarte um acordo de segurança ou até uma intervenção militar na Groenlândia, Trump cogita comprar a ilha, conforme reportagem publicada esta semana pelo The Washington Post.
Segundo o jornal, o gabinete presidencial está estudando a oferta econômica que poderia ser feita aos groenlandeses para que aceitassem se tornar parte dos EUA, o custo de prestação de serviços federais no território e até mesmo estimando a receita que seria gerada pela exploração de seus recursos naturais, principalmente os minerais.
O artigo afirma que o governo Trump está considerando apresentar uma proposta para financiar o território de 58 mil habitantes com recursos superiores aos US$ 600 milhões que a Dinamarca destina anualmente à Groenlândia.
A questão é: do ponto de vista do direito internacional, os Estados Unidos poderiam comprar o território?
Compras de áreas de um país por outro foram comuns até a primeira metade do século XX: o Brasil, por exemplo, adquiriu o Acre da Bolívia em 1903.
Os Estados Unidos compraram várias áreas no seu processo de expansão territorial: entre essas aquisições, estiveram a compra da Luisiana, que pertencia à França, de mais da metade do então território do México (em um tratado que encerrou a guerra de 1846–48 entre os dois países) e do Alasca (que era parte da Rússia).
Em entrevista ao site How Stuff Works, Joseph Blocher, professor de direito da universidade americana de Duke, disse que esse tipo de prática caiu em desuso no século passado devido a mudanças nas leis e consensos internacionais.
"A ascensão do princípio da autodeterminação estabelece que, para ser legítima, qualquer venda de território povoado deve ser baseada na aprovação das pessoas que vivem naquele território. Portanto, mesmo que a Dinamarca 'possuísse' a Groenlândia, como o presidente disse, o povo da Groenlândia ainda precisaria ser consultado", argumentou Blocher.
Nesse caso, Trump estaria com problemas: além dos governos dinamarquês e groenlandês se oporem à ideia de anexação da ilha pelos americanos, uma pesquisa recente feita pelo instituto Verian, encomendada pelo jornal dinamarquês Berlingske, mostrou que apenas 6% dos groenlandeses são a favor de se tornarem parte dos Estados Unidos, 9% estão indecisos e 85% não querem a mudança.
Na sexta-feira (4), numa mudança de discurso, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, disse que se os moradores da Groenlândia quiserem ser independentes e "se afastar da Dinamarca", os americanos estão "prontos" para oferecer "uma parceria".
"Se o Trump quiser tomar a Groenlândia, ele vai tomar"
Em entrevista à Gazeta do Povo, Luís Alexandre Carta Winter, professor de direito internacional na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), afirmou que, apesar de menos comum, a compra de territórios por outro país ainda é possível.
"São modos de aquisição de propriedade, similares ao que acontece no direito civil. Você pode comprar território, você pode arrendar território. Nós temos vários territórios que pertencem a outros estados, mas que estão arrendados pelos Estados Unidos, por exemplo, ou pela Inglaterra. Então, isso [compra e venda] é possível", explicou.
Sobre o respeito à autodeterminação, Winter argumentou que o princípio é importante, mas que o direito internacional "é um instrumento que está a serviço da questão política" – ou seja, para o professor, se realmente houver vontade de Trump, consensos internacionais não o impedirão de tentar anexar a Groenlândia.
"É evidente que o princípio da autodeterminação dos povos não é um princípio absoluto. Deveria ser, mas não é. Mas ele mesmo apresenta algumas contradições. Quando o Woodrow Wilson [presidente americano entre 1913 e 1921] passou a adotar esse princípio, que a maioria da população dentro de um território tem o direito de decidir os destinos dele, muitas vezes isso não foi observado", disse o professor.
"Mesmo que se tenha consagrado esses princípios na Paz de Vestfália [1648], na paz do Tratado de Versalhes [1919], isso não foi observado no caso da população alemã, que ficou em vários pontos isolada do antigo Império Alemão, como nos Sudetos. Havia várias regiões com minorias importantes e que naquela região constituíam a maioria, e isso não foi observado", afirmou Winter.
"Não quer dizer que eu concorde, mas se o Trump quiser tomar a Groenlândia, ele vai tomar. Quais seriam as consequências disso? Bem, o mundo ficaria pior. A ideia que está consagrada na Carta das Nações Unidas ficaria mais enfraquecida. O diálogo ficaria mais difícil. Mas nós temos que entender sempre, o direito internacional [por si só] não resolve conflitos", ponderou.
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