Queda no investimento direto na China até setembro gera debate sobre redesenho da geopolítica global

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IED registrou no trimestre até setembro sua primeira queda em 25 anos; mas alguns economistas veem apenas uma repatriação de lucros

A China tem enfrentado dificuldades para atrair capital estrangeiro, com os dados oficiais mostrando que há mais investimentos diretos saindo do país do que entrando, o que sugere que as empresas podem estar diversificando suas cadeias de fornecimento para reduzir riscos. Segundo o último dado disponível do balanço de pagamentos da segunda maior economia do mundo, o investimento direto estrangeiro caiu US$ 11,8 bilhões no período de julho a setembro, marcando a primeira contração desde que os registros começaram, em 1998.

Um alerta é que o indicador atingiu um valor superior a US$ 101 bilhões no primeiro trimestre de 2022 e enfraqueceu em quase todos os trimestres desde então.

Robert Carnell, chefe regional de investigação para a Ásia-Pacífico no ING, disse à Bloomberg que é preocupante ver saídas líquidas de investimento num momento que a China está tentando abrir seu setor industrial para novas captações. "Talvez seja o início de um sinal de que as pessoas estão cada vez mais à procura de alternativas à China para investimentos", comentou.

Mas há outras visões menos alarmistas. Robin Brooks, economista chefe do IIF, alega que pode estar acontecendo uma reorganização do comércio global, sem nenhuma mudança real em relação a que produz versus quem consome bens e serviços, escreveu na rede social X.

Ele também pondera que a queda aponta para uma repatriação de lucros reinvestidos e que o investimento direto está, na verdade, evoluindo de maneira bastante suave, sem grandes alterações na última década.

Essa também é a opinião de Duncan Wrigley, economista chefe para a China na Pantheon Macroeconomics. "Provavelmente isto reflete empresas estrangeiras repatriando lucros na China, quando anteriormente os reinvestiam. As empresas internacionais, especialmente as dos EUA, têm reconfigurado as cadeias de abastecimento para utilizar alternativas à China", completou.

Segundo a Reuters, o Goldman Sachs concorda que parte da fraqueza na entrada de investimento direto na China pode estar ligado à repatriação de lucros das empresas multinacionais. "Com as taxas de juro na China 'mais baixas durante mais tempo' enquanto as taxas de juro fora da China estão 'mais altas durante mais tempo', as pressões sobre a saída de capitais deverão persistir", diz o banco em relatório.

Para Julian Evans-Pritchard, chefe de economia da China na Capital Economics, a diferença invulgarmente grande nas taxas de juro "levou as empresas a remeter os seus lucros retidos para fora do país", informou a Reuters.

Mas Evans-Pritchard disse reconhecer que "pelo menos a médio prazo", o aumento das tensões geopolíticas prejudicará a capacidade da China de atrair IDE e favorecerá os mercados emergentes que são mais amigáveis ao Ocidente.

O governo chinês tem empreendido grandes esforços nos últimos meses para atrair o investimento estrangeiro de volta ao país. Na semana passada, por exemplo, o Ministério do Comércio pediu aos governos locais que eliminassem as políticas discriminatórias enfrentadas pelas empresas estrangeiras, numa tentativa de estabilizar a confiança dos investimentos.

Um exemplo dessas medidas foi  a recomendação para que os subsídios para veículos movidos a novas energias não se limitem às marcas nacionais. Em algumas indústrias, as empresas estrangeiras esperam mais tempo e estão sujeitas a processos de revisão mais rigorosos quando solicitam essas licenças.

Além disso, em agosto, o regulador da Internet reuniu-se com executivos de dezenas de empresas internacionais para aliviar as preocupações sobre a imposição das novas regras sobre dados. O governo também se comprometeu a oferecer às empresas estrangeiras um melhor tratamento fiscal e facilitar a obtenção de vistos.

Mas a Bloomberg cita que as promessas de Pequim soaram vazias para algumas empresas, com grupos empresariais estrangeiros a denunciando uma "fadiga de promessas" em meio ao ceticismo sobre se está mesmo próximo um apoio político significativo.

Enquanto isso, elas têm recebido incentivos para repatriar ganhos no exterior devido à grande disparidade nas taxas de juro entre a China e os EUA, o que pode estar levando a uma procura de retornos mais elevados em outros locais.

​As saídas de investimento diretor também estão aumentando a pressão sobre o yuan, que atingiu o nível mais fraco desde 2007 no início deste ano. O rendimento de referência dos título governamentais de 10 anos da China está sendo negociado 191 pontos base abaixo do dos títulos do Tesouro dos EUA comparáveis, ante um prêmio médio de cerca de 100 pontos base ao longo da última década.

A redução do risco chinês é uma razão importante para o declínio dos dados do IDE, de acordo com Louis Kuijs, economista chefe para a Ásia-Pacífico da S&P Global Ratings. As preocupações com a geopolítica e as relações EUA-China foram citadas como principais razões para o pessimismo das empresas estrangeiras numa pesquisa publicada em setembro pela Câmara de Comércio Americana em Xangai.

As empresas citaram vários países da região como destinos para as mudanças nas suas cadeias de abastecimento. O Japão, a Índia e o Vietnam foram considerados "principais destinos que estão ganhando mais atração", segundo relatório recente do UBS Group.

Consequências

A falta de investimento entre as empresas globais na China pode ter efeitos de longo alcance na segunda maior economia do mundo, especialmente quando ela tenta superar as restrições impostas pelos EUA ao acesso a tecnologias avançadas.

Além dos riscos geopolíticos, as empresas também recuaram no investimento na China no ano passado, à medida que o país implementava restrições à pandemia. Embora essas restrições tenham sido eliminadas, as empresas ainda enfrentam outros desafios, como o aumento dos custos de produção e os obstáculos de regulação. Isso enquanto Pequim examina minuciosamente a atividade de empresas estrangeiras devido a preocupações com a segurança nacional.

"Algumas das coisas mais prejudiciais foram as mudanças regulatórias abruptas que ocorreram", disse Carnell, apontando para a campanha antiespionagem deste ano, que resultou na invasão de alguns escritórios pelas autoridades locais. "Uma vez prejudicada a percepção do ambiente de negócios, é muito difícil restaurar a confiança. Acho que vai levar algum tempo", comentou.

As empresas estrangeiras representam menos de 3% do número total de empresas na China, mas contribuem para 40% do seu comércio, mais de 16% das receitas fiscais e quase 10% do emprego urbano, informou a mídia estatal.

Também têm sido fundamentais para o desenvolvimento tecnológico da China, com o investimento estrangeiro na indústria de alta tecnologia do país crescendo a taxas médias de dois dígitos desde 2012, segundo a agência de notícias Xinhua.

*Com informações da Bloomberg

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