Milei supera ceticismo mundial com revolução na economia argentina

O presidente argentino Javier Milei: sucesso com agenda minarquista. (Foto: Juan Pablo Pino/EFE)

Em pouco mais de um ano de mandato, o país começou a colher os primeiros frutos da liberalização


Os resultados à frente da economia argentina têm levado à mudança da percepção sobre o presidente Javier Milei, até então tratado como figura caricata. A eficácia de sua agenda econômica, antes vista com ceticismo pela comunidade internacional, cria dificuldades para críticos e adversários.

Milei se define filosoficamente como um "anarcocapitalista" e admite desprezo pelo Estado, que vê como instrumento de violência e coerção. Pragmaticamente, no entanto, se considera um "minarquista" e busca reduzir ao máximo as regulações estatais.

Quando assumiu, em dezembro de 2023, Milei herdou gastos excessivos e desenfreados dos governos anteriores, inflação crescente e uma economia emaranhada em controles de capital e taxas de câmbio.

Como primeiro ato de governo, por meio de decretos de necessidade e urgência (DNUs), fez cortes significativos nos gastos públicos – entre eles a redução à metade do número de ministérios e demissão de 24 mil funcionários públicos temporários ou "fantasmas", seguidos de medidas de desregulamentação da economia.

Em pouco mais de um ano de mandato, o país começou a colher os primeiros frutos da liberalização. A inflação anual caiu de quase 300% no início de 2024 para 67% em fevereiro deste ano. A taxa de pobreza, que em um primeiro momento havia subido para 53% no início de 2024, caiu para 38% já no segundo semestre, índice menor do que quando assumiu o cargo. E, em 2024, pela primeira vez em 123 anos, a Argentina não registrou déficit fiscal.

"O que mais surpreendeu foi o corte de gastos tão rápido, ninguém esperava que ele conseguisse isso, ninguém", diz o economista Roberto Luís Troster. "Quando entrou, [Milei] queria aprovar [junto ao Congresso] um número absurdo de medidas e reformas, mais de 600. Não conseguiu. Mas devagarinho e aos poucos ele está criando um momento inusitado."

Apesar de sua retórica inflamada e confrontos com o Congresso, o mandatário demonstrou o pragmatismo político ao negociar com a oposição a aprovação da "Lei de Emergência Econômica", que possibilitou avanço nas reformas.

"É bastante impressionante o que ele conseguiu, particularmente do ponto de vista político", diz Armando Castellar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre). "O freio de arrumação nas contas públicas funcionou melhor do que muita gente previa."

Aprovação internacional: o reconhecimento de Milei

O reconhecimento de suas ideias não é traduzido apenas pelos indicadores macroeconômicos, mas por vozes influentes e veículos tradicionais. No início de abril, Milei foi incluído na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2025, divulgada pela Time.

O cientista político americano Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group, reconheceu, em artigo na revista britânica, que estava entre os céticos que ficaram surpresos com os resultados positivos.

A revista britânica The Economist, que chegou a dedicar uma extensa análise de quase 20 páginas ao pensamento e às ações do presidente argentino, admitiu, na semana passada, que ele está mais "propenso do que nunca a concretizar sua transformação da economia Argentina". "Uma recessão profunda está agora dando lugar a um forte crescimento", diz a reportagem.

O escritor argentino Andrés Oppenheimer – um dos mais influentes intelectuais latino-americanos e apresentador do programa 'Oppenheimer Apresenta' na CNN em Espanhol – escreveu em sua coluna semanal no The Miami Herald: "É hora de reconhecer o êxito de Milei na economia. Apesar de todas as suas falhas, a terapia de choque de livre-mercado aplicada por Milei restaurou a esperança de que a Argentina possa finalmente deixar para trás 80 anos de políticas populistas que arruinaram o país."

FMI dá voto de confiança e projeta crescimento expressivo

Para este ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que a economia argentina crescerá surpreendentes 5%. "Em vez de falar em crescimento às taxas chinesas, o mundo em breve estará falando em crescimento às taxas argentinas", preconizou Milei em 11 de abril.

A declaração foi feita junto com o anúncio, em cadeia nacional de rádio e televisão, de um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A assinatura foi considerada uma vitória histórica, após a maioria dos 22 programas anteriores do FMI para a Argentina terem terminado em calotes ou desastres.

A presidente do FMI, Kristalina Georgieva, declarou que o conselho aprovou o programa "em reconhecimento ao progresso impressionante em estabilizar a economia e é um voto de confiança na determinação do governo em avançar com reformas e promover crescimento e entregar padrão de vida maior para os argentinos."

Os recursos do FMI somarão US$ 20 bilhões em 48 meses, com um desembolso imediato de US$ 12 bilhões, que eleva as reservas internacionais do país de US$ 24,3 bilhões para mais de US$ 36 bilhões.

As reservas também serão reforçadas pela renovação de uma linha de swap cambial de US$ 5 bilhões com a China e por US$ 6,1 bilhões que devem ser emprestados por bancos multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Divisas permitem flexibilização do câmbio

A recomposição do colchão de divisas do país permitiu a Milei dar um passo importante rumo à sua promessa de campanha de dolarizar a economia como parte do programa de estabilização.

Até então, os controles de capital e a taxa de câmbio eram mantidos dentro de uma "escala móvel", que inicialmente desvalorizaria o peso em 2% em relação ao dólar a cada mês. Mas a volatilidade do mercado forçava intervenções do Banco Central que, desde meados de março desembolsou cerca de US$ 2,5 bilhões para sustentar a taxa de câmbio.

Após o acordo com o FMI, o rígido controle de câmbio no país – conhecido como "cepo cambiário" – deu lugar para um regime de câmbio flutuante dentro de bandas predeterminadas. O novo sistema, que começou a vigorar em 14 de abril, permite que o peso argentino oscile livremente entre 1.000 e 1.400 pesos por dólar.

No novo formato, o Banco Central só poderá intervir se a moeda ultrapassar os limites. Além disso, foram eliminadas restrições à compra de dólares por pessoas físicas e jurídicas, que anteriormente estavam limitadas a US$ 200 mensais, e liberadas transferências de lucros e dividendos para o exterior.

Cotações do dólar oficial e paralelo se aproximam

Os efeitos foram imediatos. O dólar no mercado paralelo – chamado dólar blue – que, devido à restrição, sempre foi cotado muito acima do câmbio oficial, passou a operar em níveis semelhantes. Em 25 de abril, chegou à casa dos 1.220 pesos para venda, enquanto o dólar oficial estava em torno de 1.195 pesos.

Antes das medidas, a diferença entre as duas cotações ultrapassava 100%, refletindo a desconfiança do mercado e as distorções causadas pelos controles cambiais anteriores.

"O controle cambial que ele [Milei] conseguiu agora é sensacional", diz Troster. "O 'blue' está ainda um pouco mais alto, mas já é excelente, é um valor que estabiliza a economia argentina, que faz todas as contas em dólar. E ter esse valor estável significa dizer inflação estável."

Ele prevê a maior previsibilidade, atração de investimentos estrangeiros e confiança dos agentes econômicos. "Na medida que você consegue mais confiança para isso, você vai ter mais argentinos migrando do dólar para o peso, quer dizer, são mais dólares entrando em circulação na Argentina", diz.

Sucesso do plano de Milei depende de reformas

Apesar do sucesso inicial, não são pequenos os desafios que o mandatário argentino ainda tem pela frente. Para evitar a necessidade de intervenções adicionais do Banco Central argentino e a queima de reservas, é essencial que as reformas propostas por Milei sejam aprovadas pelo Congresso e consolidadas em lei.

"É isso [as reformas] que vai consolidar a estabilização da economia", diz Troster. "Porque cortar gastos ou gastar somente o que arrecada faz parte de qualquer manual de economia. Do ponto de vista estritamente liberal, você tinha que falar mais em reformas do Estado, no caso da Argentina, principalmente a trabalhista e a tributária. Eles têm problemas muito semelhantes aos nossos, do Brasil."

Essas reformas estruturais devem, segundo o economista, criar condições para que o Banco Central acumule suas próprias reservas e não dependa exclusivamente dos empréstimos do FMI. Somente com reservas o país terá alguma chance de acessar os mercados de capitais globais, algo que o governo pretende iniciar no começo do próximo ano para ajudar a rolar suas dívidas. O governo divulgou que aproximadamente US$ 19 bilhões terão que ser pagos em 2026.

Cenário externo traz riscos e incertezas

Os primeiros sinais são promissores: os mercados financeiros estão reagindo positivamente ao plano e os títulos internacionais argentinos se recuperaram de forma significativa após as mudanças cambiais anunciadas. Mas o cenário externo traz incertezas.

A guerra comercial promovida pelo Presidente dos EUA, Donald Trump, tem provocado queda nos preços do petróleo e das commodities agrícolas, o que promete prejudicar as exportações argentinas e dificultar a formação de reservas cambiais. Após o tarifaço, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, chegou a fazer uma visita a Milei na Argentina, vista como sinal simbólico de apoio, mas sem anúncios concretos.

Internamente, Milei enfrenta o risco de queda de popularidade pela possibilidade de alta na inflação, com desvalorização do peso. Em contrapartida, ele acena com cortes de gastos ainda mais agressivos, o que tende a aumentar o descontentamento social. Setores afetados por demissões têm ensaiado greves e protestos.

Milei também enfrenta desgaste junto ao setor agropecuário, com o anúncio do retorno das retenciones (impostos sobre exportações), a partir de julho de 2025, revertendo a redução temporária implementada no início do ano. A iniciativa faz parte da estratégia de aumentar a entrada de dólares no país e o equilíbrio fiscal e pode ser temporária.

Apesar de ostentar um índice de aprovação de 45%, o mandatário argentino enfrenta dificuldades no Congresso, com tímida base de apoio. Neste ano, já sofreu derrotas e sentiu a exploração, pela oposição, de seu envolvimento em um escândalo relacionado à promoção de criptomoedas.

As eleições de meio de mandato, em outubro, podem limitar seu poder. Serão renovados 127 dos 257 assentos da Câmara dos Deputados e 24 dos 72 assentos do Senado. Seu partido é pequeno e a falta de alianças firmes abre espaço para uma possível recuperação dos peronistas, o que pode assustar os mercados e comprometer seu projeto de reformas.

Troster revela ter um otimismo "cauteloso". "A Argentina está indo bem, mas o cenário equivale a uma final de Copa do Mundo", avalia. "O time fez um gol no início do primeiro tempo. Ainda tem muito jogo pela frente."

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