Em carta para Lula, Donald Trump informou que instruiu autoridades do comércio para iniciar uma investigação da Seção 301 sobre o Brasil
Na carta enviada pelo Presidente americano, Donald Trump, ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de instituir o tarifaço de 50%, o chefe da Casa Branca determinou a abertura imediata de uma "investigação da Seção 301 sobre o Brasil". Mas o que significa isso e quais podem ser as consequências?
A Seção 301 é um dispositivo da Lei de Comércio americana instituída em 1974. Ela apura possíveis práticas desleais cometidas por países estrangeiros, que acabam por afetar o comércio dos EUA.
A Casa Branca, a partir deste mecanismo, pode investigar políticas tarifárias, barreiras de comércio, e restrições digitais - estas também citadas na carta direcionada ao mandatário brasileiro, ao afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) "emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro".
Na prática, a Seção é uma brecha legal para pressionar o país investigado, podendo se converter num mecanismo de barganha: os EUA impõem ou ameaçam impor sanções com o objetivo de pressionar para que haja uma alteração política ou econômica – nesse caso mirando o Brasil – que se adeque ao interesse americano.
A legislação indica que o procedimento deve ser conduzido pelo Representante de Comércio dos EUA e que o país pode impor medidas corretivas contra as práticas de comércio, se consideradas desleais, instituindo tarifas ou sanções contra a nação investigada.
Além de já ter utilizado o dispositivo para investigar o próprio Brasil, nos anos 1980, além de Índia, Japão e União Europeia, os Estados Unidos também recorreram à Seção 301 para impor tarifas sobre produtos chineses. Em setembro de 2019, o próprio Trump utilizou o dispositivo para aplicar uma tarifa adicional, que chegou a 30% em alguns casos, sobre bilhões de dólares em produtos da China. A Seção também foi aplicada contra a Pequim pelo ex-presidente Joe Biden.
Mesmo sendo dispositivo de uma lei fiscal, sanções podem vir de outras formas
À Gazeta do Povo, o economista e PhD em Relações Internacionais Igor Lucena explica que, embora a medida tomada pela Casa Branca tenha origem em uma lei fiscal, seus efeitos podem ir além da esfera econômica.
"O Representante de Comércio dos EUA inicia a consulta interna, que dura normalmente de 45 a 60 dias, podendo fazer uma discussão interna e aumentar tarifas", detalha.
"Mas se o governo americano entender que há dilações de acordos comerciais ou atos políticos de um governo estrangeiro contra benefícios americanos ou acordos pré-estabelecidos, além dos aumentos tarifários, obviamente, pode-se ter sanções adicionais. Por exemplo: grupos que tenham benefícios comerciais nos Estados Unidos podem vê-los cortados, podendo até mesmo ocorrer proibições de importações e a retirada total de bens do mercado. Então, muito mais do que a imposição de tarifas, pode haver a capacidade de uma retaliação comercial muito maior [contra o Brasil]", completa Lucena.
O economista acrescenta que a Seção 301 tem um objetivo comercial, mas também é utilizada como instrumento de pressão desde que a lei foi assinada, em 1974. "Imagine o suco de laranja e o café proibidos de serem exportados para os Estados Unidos. Seria uma escalada muito grande."
Judiciário na mira?
E essas retaliações poderiam ocorrer contra figuras políticas ou do Judiciário brasileiro? Lucena explica que, por ser um mecanismo direcionado a Estados estrangeiros, a Seção 301 não tem jurisdição para isso. Contudo, recorda, ao mesmo processo podem ser somadas leis que punam indivíduos, como a Lei Magnitsky.
"O governo pode entender que Estados estrangeiros realizam ações injustas contra os EUA e, juntamente com a sanção prevista na Seção 301 — que é uma sanção comercial —, pode aplicar outros tipos de medidas, como a Lei Magnitsky ou outras formas de pressão econômica que sancionem indivíduos. Isso porque, na prática, a Seção 301 foca em punições e sanções contra Estados estrangeiros. Portanto, seria necessário analisar se essas ações dos Estados têm por trás ordens ou condutas ilegais praticadas por pessoas físicas ou autoridades. Assim, o governo poderia combinar as medidas da Seção 301 com outras ações dentro de um mesmo processo", detalha.
Lucena completa que as tensões econômicas entre o Brasil e Estados Unidos poderiam ter estacionado em um menor nível caso a Casa Branca tivesse um embaixador em território brasileiro.
"A presença de um embaixador mostra que o país é visto como uma referência, que o Brasil tem importância no cenário internacional. A partir do momento em que não há essa figura, demonstra-se o desprezo da administração Trump pela atual gestão do Brasil. Isso se dá por vários motivos e vem desde o começo, quando, ao longo da campanha eleitoral, o presidente Donald Trump foi criticado abertamente pelo presidente Lula, que chegou a pedir votos para Kamala Harris, o que abriu um flanco muito negativo. Acho que isso ficou muito marcado — tanto é que o presidente Lula nem chegou a se encontrar com Donald Trump, e acho que é a primeira vez que a gente assiste a isso".
Para além das críticas no período eleitoral, Lucena pontua que as recentes posições do governo, que no BRICS se posicionaram a favor da desdolarização comercial, pode ter impactado.
"As ações do governo brasileiro são ações que se mostram hostis pela administração Trump, então, ele nem institui um embaixador, mostrando assim seu desprezo pela administração brasileira."
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