À medida que Washington e Riad avançam em uma parceria estratégica impulsionada por IA, um novo corredor tecnológico no Oriente Médio começa a remodelar as redes regionais de poder e energia, enquanto Israel avalia seu papel em uma cadeia de suprimentos e em um cenário político que evoluem rapidamente
Israel passou a última semana debatendo o que a Arábia Saudita recebeu em seu acordo com os Estados Unidos — um pacto de defesa, um programa nuclear civil e avanços em direção a um acordo para a aquisição de caças F-35 — e o que Washington ganhou em troca, incluindo a promessa de US$ 1 trilhão em investimentos sauditas. Mas focar apenas no aspecto transacional ignora o que ambos os líderes enfatizaram publicamente: um acordo para desenvolver inteligência artificial, apresentado como o núcleo de toda a iniciativa, e não como um complemento cerimonial.
Essa ênfase reflete uma estratégia muito mais ampla. O Presidente Donald Trump opera dentro de um cronograma voltado para 2027, ano que muitos especialistas descrevem como o ponto decisivo na corrida global pela IA. Eles afirmam que, até lá, a vantagem em tecnologia, energia e manufatura pode se tornar tão consolidada que os rivais terão dificuldade para alcançar.
A indústria de IA depende de matérias-primas e da fabricação de chips, uma cadeia de suprimentos dominada pela China — da mineração ao processamento e à distribuição. Revelações recentes de que Pequim pediu a empresas alemãs dados comerciais sensíveis em troca de acesso a matérias-primas críticas ressaltaram a profundidade desse poder de influência.
Para reagir a essa dependência, os Estados Unidos vêm se movimentando nos últimos meses para construir uma rede global de fornecedores. Washington assinou acordos de mineração e processamento na Austrália e na Malásia. Na África, Trump intermediou uma trégua entre Congo e Ruanda após um apelo direto do presidente congolês, abrindo caminho para o acesso americano a minerais essenciais para a produção de chips. Um acordo semelhante com o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy focou na cooperação em matérias-primas e cadeias de suprimentos. O Paquistão também aderiu a essas parcerias envolvendo metais críticos. Em conjunto, essas iniciativas visam reduzir o monopólio da China e criar uma rota de suprimento independente.
As matérias-primas são apenas parte do desafio. A eletricidade é outra. Um relatório do Departamento de Energia dos Estados Unidos constatou que os data centers e instalações de IA no país consumiram cerca de 4% da energia nacional em 2024, e a projeção é de que esse número chegue a quase 12% até 2028.
Essas demandas vêm acompanhadas do crescimento dos veículos elétricos e da mineração de criptomoedas. A Califórnia já impôs proibições temporárias de recarregar carros durante horários de pico. Grandes parcelas da rede elétrica nacional não foram projetadas para uma economia em que data centers consomem mais energia do que boa parte da indústria tradicional.
As grandes empresas de tecnologia estão buscando soluções. A Microsoft adquiriu um reator nuclear civil na Pensilvânia para sustentar seus data centers, embora analistas afirmem que esse esforço é insuficiente diante da dimensão da demanda.
Israel não é parte formal do acordo entre Estados Unidos e Arábia Saudita, mas possui capacidades que nenhum outro país da região consegue igualar: infraestrutura tecnológica avançada, capacidade de segurança para proteger dados e fluxos de energia e uma posição geográfica que conecta naturalmente os novos corredores asiáticos ao Mediterrâneo. Esses fatores podem permitir que Israel ofereça estabilidade ao longo dessa rota em desenvolvimento.
A Arábia Saudita entra nesse arranjo não como um país em busca de prestígio, mas como um parceiro capaz de fornecer a energia e a infraestrutura que os Estados Unidos não conseguem suprir sozinhos. O príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman está perseguindo um plano para transformar o reino: deixar de exportar energia bruta, como petróleo e gás, e passar a exportar serviços de inteligência artificial. Seu objetivo é fazer da Arábia Saudita uma potência em IA, sediando data centers de escala global e grande capacidade de computação.
O reino também ocupa uma posição geoestratégica crucial ao longo do corredor IMEC, a rota que conecta a Índia ao Oriente Médio e à Europa. O projeto pretende rivalizar a Iniciativa Cinturão e Rota da China ao possibilitar fluxos independentes de eletricidade, dados e mercadorias entre a Ásia e a Europa.
Trump também está de olho em marcos de curto prazo: as eleições de meio de mandato em novembro e o Prêmio Nobel da Paz, entregue um mês antes. Depois de ficar de fora este ano porque o acordo de reféns foi concluído após o prazo do comitê, ele tem repetido que somente ele pode entregar uma paz histórica. Assessores veem sua diplomacia regional e sua aproximação com Mohammed bin Salman como parte de uma narrativa que o posiciona como o líder que reunificaria os descendentes de Isaque e Ismael após séculos de conflito. Alguns apoiadores chegam a apresentar a iniciativa como o fechamento de um ciclo histórico que remonta à batalha de Khaybar, em 630, quando as forças do Profeta Maomé derrotaram a comunidade judaica na Península Arábica.
O Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu agora enfrenta uma escolha difícil. Trump tem uma janela apertada para garantir a imagem que deseja na Casa Branca, embora o prazo possa se estender até setembro de 2026. Se Netanyahu quiser estar no centro desse momento histórico, precisará tomar decisões com custos políticos pesados.
As questões mais importantes giram em torno de adotar ou não um marco claro que avance em direção a um Estado palestino, ou que ao menos possa ser apresentado internacionalmente dessa forma. O pai de Netanyahu, o historiador Benzion Netanyahu, ensinou-lhe o peso das decisões históricas. Caso o primeiro-ministro opte por assinar um acordo que reestruture a região, ele provavelmente enfrentará a ruptura de sua coalizão, eleições antecipadas e uma transformação profunda do cenário político.
Essa é a linha divisória que Israel enfrenta agora. Trump está construindo uma estrutura global voltada para 2027 e vê Israel como parte dela — mas não incondicionalmente. Se Netanyahu pagar o preço político e alinhar Israel ao corredor estratégico emergente, poderá ser ele a assinar um acordo histórico. Caso contrário, outro governo poderá fazê-lo mais tarde, deixando Israel dentro da estrutura global, mas não mais em seu centro.
Do Ynet
As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Israel 7000 anos

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