Trump está moldando uma nova ordem mundial que empurra Israel para o papel de "ator coadjuvante" – aquele que já não dita mais as regras, mas é forçado a se alinhar a elas
"Sem a nossa ajuda, todos os sequestrados provavelmente estariam mortos." Foi assim, sem hesitar, que Donald Trump resumiu seu papel no acordo de libertação de Idan Alexander — mas ele não parou por aí. "Os israelenses lutaram, merecem crédito. Mas a minha equipe merece muito — talvez mais do que todos." Não se trata apenas de uma declaração de alguém em busca de reconhecimento — é a afirmação de quem adota a clássica estratégia da "centralidade". Ele não quer apenas ser notado; quer consolidar uma nova narrativa na consciência pública: o centro da história não é mais Israel, é ele.
Enquanto isso, na realidade que se desenha ao nosso redor, é difícil ignorar a sensação de que "as coisas estão se movendo — mas não por nossa iniciativa". A Arábia Saudita anuncia um acordo com os EUA para encerrar os combates e libertar todos os reféns. O Catar recebe as delegações. O Egito mantém o canal de comunicação. E onde está Israel? Em um lugar conhecido: reagindo. Correndo atrás. Tentando entender o que está acontecendo — e não liderando os acontecimentos. Esse é exatamente o papel do "coadjuvante" nas teorias de jogo: aquele que não dita as regras, mas precisa jogar de acordo com elas.
Trump utiliza uma técnica psicológica conhecida como "caos calculado" — a criação deliberada de incerteza, que força todos ao redor a permanecer em posição reativa. Ele não busca estabelecer ordem — ele gera tensão. Não procura previsibilidade — mas sim instabilidade. Pesquisas em psicologia social mostram que, em ambientes marcados pela incerteza, as pessoas tendem a buscar uma figura de autoridade que ofereça uma sensação de segurança — e é exatamente nesse ponto que Trump se posiciona. O ambiente ao seu redor é forçado a tentar adivinhar seus próximos passos — e ele garante mudar o plano sempre que começam a decifrar seu padrão. Como em um reality show, no qual ele é o diretor, o editor e o protagonista.
Nesta semana, isso aconteceu novamente, diante dos olhos do mundo inteiro: Trump lançou uma afirmação sobre o número de reféns vivos — apenas 20, e não 24 — sem qualquer coordenação com Israel. Trata-se de uma demonstração da estratégia de "informação assimétrica" — ele cria a impressão de que apenas ele detém os dados reais. Trump também deixou claro que não visitará Jerusalém durante sua viagem pela região, a menos que haja "progresso" — uma mensagem clara: sem acordo, sem visita. Em outras palavras, recompensa e punição no estilo clássico do condicionamento.
Trump afirma que as sanções contra a Síria serão retiradas — porque assim foi acordado com ele pelo presidente turco Erdogan e pelo príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. Aqui, ele emprega a técnica de "ampliação do círculo" — a criação de alianças paralelas que enfraquecem o ator original. E, em meio a tudo isso, ele transmite uma mensagem clara: eu sou o mediador, eu sou quem executa, eu sou quem decide o que vai acontecer — e quando.
Nos bastidores, os enviados de Trump — Steve Witkoff e Adam Boehler — conduzem conversas em Doha com os mediadores do Catar. Não se trata de negociações diretas — mas sim de saltos entre salas. Na teoria dos jogos, isso é chamado de "jogo sequencial" (sequential game), em contraste com o "jogo simultâneo" — e, nesse formato, Trump mantém para si o controle sobre o ritmo e o fluxo de informações. A delegação israelense, aliás, nem está no mesmo prédio que os representantes do Hamas. E isso também não ocorreu por iniciativa de Israel — foi porque Witkoff exigiu de Benjamin Netanyahu o envio de uma delegação.
Os enviados falam diretamente com Netanyahu. Não por meio do embaixador. Nem por intermédio de um mediador. A quebra do protocolo não é casual — a psicologia das relações de poder mostra que pular a cadeia de comando gera um efeito de urgência e dependência. E como saber que não se trata de mais uma rodada rotineira? Porque o próprio primeiro-ministro interrompeu seu depoimento no caso dos "milhares" para conduzir uma longa conversa com Witkoff. Esse é um nível de urgência que não deixa dúvidas, especialmente quando fontes americanas esclarecem aos jornalistas: Trump não pretende "ceder a Netanyahu". Ele quer o acordo de cessar-fogo — e isso não é uma proposta. É um quadro definitivo. Na teoria dos jogos, essa é uma posição de equilíbrio imposta à outra parte — "aceitar ou recusar".
"As cartas estão nas mãos de outros"
"As cartas estão nas mãos de outros"
Toda a estrutura perceptiva na qual Netanyahu atua — está se abalando: se antes ele estava acostumado a definir os rumos, escolher quando escalar ou acalmar a situação, agora parece que cada uma dessas cartas está nas mãos de outra pessoa. Israel não está mais na posição de jogar as cartas — é forçado a reagir às jogadas dos outros. Essa é uma demonstração perfeita do que os psicólogos chamam de "perda da liberdade de ação" — a sensação de controle que gradualmente se esvai.
A verdadeira pergunta é: por que justamente agora? A resposta está no timing e na dosagem. Trump sabe identificar a "janela psicológica de oportunidade" — o momento em que a consciência pública está pronta para aceitar uma nova narrativa. A libertação de Idan Alexander lhe deu a "boa história" para iniciar sua visita. Na psicologia cognitiva, isso é chamado de "efeito halo" — um sucesso que influencia a percepção de todas as ações seguintes. A relação com a Arábia Saudita permite que ele se consolide como alguém que "resolve questões" onde outros apenas abrem problemas. E a pressão sobre Netanyahu faz parte da nova posição: não mais um mediador, mas uma figura paterna que exige disciplina.
E a pergunta que devemos fazer em Israel não é apenas se um acordo será fechado — mas qual será o custo em termos de percepção. Tudo isso ilustra o que o pesquisador de teoria dos jogos Thomas Schelling chamou de "jogo de compromisso antecipado" — Trump cria condições em que a outra parte não pode mais recuar sem sofrer um custo dramático. O que acontecerá se o acordo for visto como uma vitória de Trump? O que acontecerá se os méritos forem creditados a ele? E o que acontecerá se o público — dentro e fora de Israel — aceitar que foram os americanos que "entregaram o resultado" e Israel apenas se posicionou para assinar? Essa é a essência do "jogo de soma zero" na esfera da percepção — o sucesso de um é percebido como a derrota do outro.
A conclusão pode não ser confortável, mas é inevitável: quando você não controla a narrativa, acaba se tornando um personagem secundário na história de outra pessoa. Na psicologia social, isso é chamado de "dependência narrativa" — uma condição em que sua identidade e conquistas são redefinidas pelo enredo maior de outrem. E Trump, como sempre, escreve esse enredo de forma que ele próprio seja o protagonista. Mas, sob a ótica da teoria dos jogos, o verdadeiro enredo é outro: Israel e sua liderança perderam a capacidade de jogar o jogo — e passaram a fazer parte de um jogo completamente diferente.
Dr. Liraz Margalit é pesquisadora de comportamento na era digital pela Universidade Reichman, em Herzliya.
Dr. Liraz Margalit é pesquisadora de comportamento na era digital pela Universidade Reichman, em Herzliya.
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