Os Estados Unidos lideram plano para acabar com a guerra: libertação dos sequestrados, desarmamento do Hamas, transferência do controle de Gaza para um comitê internacional-árabe, reconstrução da Faixa com financiamento dos países do Golfo e como parte de uma nova ordem regional que incluirá a normalização das relações com a Arábia Saudita
Enquanto hoje se fala sobre uma manobra agressiva para conquistar Gaza e se expressa frustração pelo fato de que Israel, aparentemente, está fora das negociações conduzidas pelos EUA com países árabes — é fundamental compreender: a visita, apresentada como econômica, realmente tem esse aspecto, mas suas implicações políticas são históricas. Sem exagero.
Podemos gostar disso ou não (e eu mesmo tenho críticas quanto à disposição de Trump em se associar com figuras do antigo regime esperando que elas conduzam uma nova ordem), mas parece que, após um ano e meio — dos quais três meses incluíram um apoio irrestrito dos EUA a Israel, que acabou não sendo plenamente aproveitado —, a percepção americana é que Israel não consegue acabar sozinho a campanha em Gaza, seja por limitações militares ou por questões políticas internas. E por isso, precisa de ajuda. Por quê? Porque a questão de Gaza é o grande obstáculo que impede os Estados Unidos de avançar rumo à criação de uma nova ordem regional, tanto política quanto econômica.
Como os Estados Unidos planejam resolver essa questão? Ao que tudo indica, o caminho lógico para encerrar a guerra seria mais ou menos assim (e está bem perto disso):
- A libertação dos sequestrados é o ponto central de tudo, a peça-chave. Os EUA estão, neste momento, pressionando fortemente os países do Golfo que estão atuando como mediadores para aceitarem o plano de cessar-fogo proposto por Brett McGurk (o chamado plano "Wittkoff"), que Israel já aprovou e aceitou.
- Não há dúvida de que, se Israel realmente conseguiu eliminar Mohammed Sinwar, o comandante de Rafah e talvez até o porta-voz do braço militar do Hamas, então dá pra dizer que a liderança do Hamas dentro de Gaza foi praticamente "decapitada". Agora, o centro das decisões passa quase totalmente para o Hamas que está no exterior, baseado nos países do Golfo. Sim, exatamente — aqueles mesmos países que Trump acabou de visitar.
- Aceitar o plano Wittkoff significa um cessar-fogo imediato e o início das negociações para a libertação de todos os sequestrados — como condição para o fim completo da guerra.
- Como o Hamas no exterior é quem vai conduzir as negociações, e considerando que ele está fora de Gaza e depende diretamente dos países do Golfo — especialmente do Catar —, não deve ser difícil (nem mesmo do ponto de vista ideológico) aceitar um plano que inclua o fim da guerra e a expulsão dos poucos líderes restantes do Hamas, assim como dos chefes de outros grupos terroristas, como a Jihad Islâmica, para fora de Gaza.
- A distribuição da ajuda humanitária, que vai começar ao mesmo tempo, será a base para a entrada física na Faixa de Gaza de organizações internacionais (com destaque para os EUA) e representantes dos países árabes. Para que os alimentos possam entrar na região e para que esses representantes árabes aceitem entrar, o Hamas e os outros grupos terroristas terão que entregar as armas que ainda têm, tanto as pesadas quanto as leves.
- Será anunciado o fim da guerra.
- Os países árabes já tinham concordado antes em participar de um comitê de gestão de Gaza, mas condicionaram isso ao desarmamento do Hamas. Por isso, o controle da Faixa será passado para um comitê formado pelos Estados Unidos e representantes dos países árabes, incluindo Egito, Jordânia, Arábia Saudita e possivelmente algum representante europeu. É possível que o comitê também conte com especialistas palestinos profissionais.
- Começará a reconstrução da Faixa de Gaza com muito dinheiro dos países do Golfo, sob a gestão e liderança americana. Esse será um processo que vai durar muitos anos, e é provável que durante a reconstrução os moradores de Gaza sejam realocados em campos humanitários, parecidos com os que já existem hoje (mas talvez mais organizados). Quem quiser e escolher sair da Faixa poderá fazer isso com a ajuda do comitê que vai administrar a região e da autoridade israelense de imigração, que começou a funcionar justamente agora. Um dado importante para destacar aqui: numa pesquisa palestina recente feita por Khalil Shikaki, cerca de 50% dos moradores de Gaza disseram que estão dispostos a deixar a região e emigrar — um número bem significativo!
- O controle da segurança na Faixa de Gaza será transferido gradualmente do Exército de Israel para forças internacionais (provavelmente americanas) e árabes, junto com a retirada do Exército israelense. A Autoridade Palestina já está sendo — e continuará sendo — exigida a implementar reformas profundas: organizacionais, culturais, estruturais, econômicas e outras. Quando essas reformas forem concluídas (um processo que deve levar anos), a Autoridade será incorporada gradualmente ao controle de Gaza.
- A aprovação israelense para esse processo, assim como para uma solução política de longo prazo para a questão palestina, vai expandir os Acordos de Abraão como parte da nova ordem regional — incluindo a Arábia Saudita, claro, mas também o Líbano e a Síria. Os líderes desses dois últimos países declararam nos últimos dois meses (e até agora, na reunião do presidente sírio com Trump) que não descartam a normalização das relações.
Parece que essa é a lógica que organiza a visão americana, e segundo eles, tudo isso é bom para Israel (e, pessoalmente, não me surpreenderia se esse plano tenha sido criado em conjunto com Israel e coordenado com o país). Então, enquanto discutimos as "ofertas árabes para Trump" (algo que também merece ser analisado), o verdadeiro eixo pode acabar sendo o fechamento político da estrutura organizacional e governamental que vai permitir o fim da guerra.
- Irã – Os Estados Unidos acreditam que o fim da guerra também vai convencer o Irã a desmantelar seu programa de enriquecimento de urânio e abrir mão de suas ambições nucleares.
- A Irmandade Muçulmana (Hamas, Catar, Turquia, Síria) – Os Estados Unidos confiam nas promessas feitas por esses atores, tanto para o futuro próximo quanto para o mais distante. Mas será mesmo possível estabelecer uma nova ordem regional com eles? Israel realmente confia nessas promessas? Será que esses países e grupos vão acabar sabotando, com o tempo, a visão econômica dos EUA para o Oriente Médio — nem que seja apenas por motivos teológicos e pela hostilidade tradicional ao Ocidente — ou existe a chance de que mudem completamente de postura?
- Gaza – Será que o Hamas vai realmente aceitar abrir mão da sua presença como movimento político em Gaza e na Cisjordânia (Samaria)? Israel teme que se repita em Gaza o modelo do Hezbollah no Líbano — e também está preocupada com os dados da última pesquisa palestina (do início de maio), que mostraram que o público palestino na Cisjordânia é muito mais pró-Hamas e radical do que o de Gaza.
Tenente-coronel da reserva Amit Yegor – ex-vice-chefe da área palestina na Diretoria de Planejamento das Forças de Defesa de Israel (IDF) e alto oficial da inteligência da Marinha israelense.
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