Knesset aprova leis para estender a soberania israelense sobre Judeia e Samaria, desafiando Netanyahu e provocando alerta dos EUA
Em um confronto político dramático que expôs divisões dentro da coalizão governista de Israel e provocou críticas de Washington, o Parlamento de Israel (Knesset) avançou nesta quarta-feira com dois projetos de lei para estender a soberania israelense sobre partes da Judeia e Samaria — apesar da forte oposição do Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu e de alertas explícitos da administração Trump. As votações ocorreram enquanto o vice-presidente dos EUA, JD Vance, estava em solo israelense, transformando o que deveria ter sido uma celebração do fortalecimento das relações entre EUA e Israel em um constrangimento internacional, que levou Vance a se declarar pessoalmente insultado pelo "golpe político muito estúpido". O projeto mais amplo, patrocinado pelo deputado Avi Maoz, do partido Noam, aplicaria a lei e a soberania israelense a todas as comunidades da Judeia e Samaria, declarando essas áreas "uma parte inseparável do Estado soberano de Israel". Ele passou na leitura preliminar pela menor margem possível — 25 a 24 — após o deputado do Likud Yuli Edelstein romper com seu partido para dar o voto decisivo. Um segundo projeto, mais limitado, do líder da oposição Avigdor Liberman, anexaria a cidade principal de Ma’ale Adumim, próxima a Jerusalém, sendo aprovado por 32 votos a 9. A rebelião legislativa deixou o Likud de Netanyahu correndo para conter os danos, removendo imediatamente Edelstein de sua cadeira na Comissão de Relações Exteriores e Defesa. O partido descartou os projetos de lei como "provocações" da oposição, destinadas a prejudicar a relação de Israel com Washington e minar os avanços militares em Gaza. Para os apoiadores das propostas, a soberania sobre o coração bíblico da Terra de Israel está enraizada tanto na história quanto nas Escrituras. A Bíblia registra a aliança de Deus com Abraão: "Naquele dia o SENHOR fez aliança com Abrão, dizendo: 'A tua descendência darei esta terra, do rio do Egito até o grande rio, o rio Eufrates'" (Gênesis 15:18). Essa promessa forma a base da reivindicação judaica sobre a terra, uma reivindicação que antecede em milênios as fronteiras modernas, o direito internacional ou acordos diplomáticos. O deputado Maoz expressou essa perspectiva ao declarar aos legisladores: "O Santo, bendito seja Ele, deu ao povo de Israel a Terra de Israel. A habitação na Terra de Israel é a redenção e o renascimento nacional; a habitação é o que faz a Terra de Israel florescer após dois mil anos de exílio". Ele apresentou a soberania não como uma manobra política, mas como o cumprimento de uma obrigação antiga, afirmando: "Ao aplicar soberania na Judeia e Samaria, estamos fazendo uma correção que há muito tempo era necessária". A administração Trump enxergou a situação de forma diferente. O Presidente Trump disse à revista Time que a anexação "não acontecerá porque dei minha palavra aos países árabes", alertando que "Israel perderia todo o apoio dos Estados Unidos se isso acontecesse". Vance foi além, dizendo no Aeroporto Ben Gurion que a votação no Knesset o "ofendeu" e foi "estranha". O secretário de Estado Marco Rubio afirmou que a iniciativa legislativa poderia ameaçar o plano de Trump para encerrar o conflito em Gaza. O contraste é marcante. Durante seu primeiro mandato, Trump reconheceu a soberania israelense sobre as Colinas de Golã e transferiu a embaixada americana para Jerusalém — ações que validaram reivindicações judaicas sobre territórios contestados. Agora, contudo, o apoio americano parece condicionado à decisão de Israel de não afirmar soberania sobre Judeia e Samaria, o coração histórico onde reis judeus governaram e profetas caminharam. Liberman defendeu uma abordagem gradual, propondo começar pelas áreas de "maior consenso", como Ma’ale Adumim, Ariel, Gush Etzion e o Vale do Jordão. Sua estratégia reconhece que a soberania judaica exige construir apoio político interno e internacional antes de tomar medidas legais. O teatro político no Knesset revelou verdades mais profundas sobre o dilema de Israel. Os parceiros de coalizão de Netanyahu, do Sionismo Religioso e do Otzma Yehudit, apoiaram os projetos de lei, expondo a lacuna entre a retórica de direita do governo e sua disposição real de agir. Até o partido ultraortodoxo Judaísmo Unido da Torá se dividiu, com alguns membros apoiando a legislação para destacar o que chamaram de hipocrisia de um governo cujos ministros defendem a anexação, mas bloqueiam passos concretos para realizá-la. A deserção de Edelstein se mostrou decisiva. "A soberania israelense em todas as partes de nossa terra é a ordem do dia", declarou, convocando "todas as facções sionistas a votar a favor". Seu voto garantiu a vitória por um único voto do projeto mais amplo, mas custou-lhe o assento na comissão poucas horas depois. Os projetos de lei enfrentam quase certa derrota nas próximas votações, diante da rejeição explícita de Trump. A legislação precisa passar por mais três votações no plenário do Knesset após deliberações em comissões — um percurso que não será completado enquanto a oposição americana permanecer firme e Netanyahu se recusar a desafiar Washington. Ainda assim, as votações de quarta-feira forçaram à tona uma questão que os líderes de Israel há muito evitam: o Estado judeu possui independência para afirmar soberania sobre territórios que controla e considera sua pátria histórica, ou sempre dependerá da aprovação de potências estrangeiras — mesmo as amigas? A oposição à soberania israelense baseia-se na "Solução de Dois Estados". O plano criaria um Estado árabe militarizado sem precedentes dentro das fronteiras de Israel, etnicamente limpo de judeus, com sua capital exclusivamente muçulmana em Jerusalém, semelhante ao Estado controlado pelo Hamas que surgiu quando Israel evacuou Gaza há vinte anos.
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